quarta-feira, 14 de março de 2012

Uma vida de luz

Histórias de uma loja bicentenária

Fica no coração de Lisboa, uma das lojas mais antigas de Portugal. A Caza Vellas do Loreto foi criada a 14 de Julho de 1789. O negócio está na família há cinco gerações. Margarida Sá Pereira e o irmão são os atuais proprietários do espaço. Apesar disso, não se vêem como donos mas antes como "mandatários dos antepassados". “Isto é uma coisa que tivemos a sorte de receber e que temos a obrigação de passar aos próximos", garante Margarida.

Esta loja bicentenária nunca foi reconstruída. O chão, os vidros soprados à mão, as madeiras, o relógio e mesmo os puxadores das portas datam da construção original. O segredo, segundo Margarida, é preservar o espaço anualmente.
A família cresceu na loja e talvez tenha sido a luz, e também o calor das velas, que sempre os encorajaram a manter as portas abertas mesmo nas épocas mais difíceis. A primeira grande crise aconteceu no século XIX, com o aparecimento da electricidade. A venda de velas diminuiu drasticamente e esta loja da rua Loreto teve de se reinventar. Apostaram, sobretudo, em velas decorativas, de promessas, baptizado e cemitério.

Hoje em dia, Margarida Pereira e o irmão estão a viver a segunda grande crise da loja. A austeridade e a mentalidade das pessoas são os principais entraves ao desenvolvimento do negócio. "As pessoas não vêem a vela como uma coisa fundamental na casa, vêem a vela como elemento decorativo e, como tal, prescindem dela em detrimento de outras coisas que lhes fazem mais falta", diz.
Histórias de vida
Ainda se aguentam graças a antigos clientes que compram, principalmente, os chamados "milagres". Isto é, partes do corpo humano feitas em cera e sem pavio que servem para agradecer a algum santo a cura de qualquer doença. "Temos um senhor que compra, semanalmente, uma garganta, uns olhos e uns ouvidos, para agradecer a Deus o dom de ainda poder falar, ver e ouvir", conta a dona da loja.

Para além disso, têm, também, alguns clientes mais jovens que seguem as modas e gostam de comprar velas. Mesmo assim, Margarida afirma que "as pessoas não têm a cultura suficiente para fazerem uma aproximação (à loja) e aprenderem... a vida é feita muito apressadamente, não têm tempo para reflectir".
Margarida Pereira começou, desde muito cedo, a conhecer os cantos à casa: "As coisas são naturais, quando aqui entrei não sei que idade teria, aí uns quatro ou cinco anos. Agora vêm aqui os meus netos...". Deixar a loja às gerações seguintes é o maior desejo da proprietária. No entanto, numa altura em que fecham centenas ou mesmo milhares de lojas por ano, as previsões não são animadoras.

"É uma pena acabar tudo em MC Donald's ou em Zara's. Por exemplo, acabou de fechar uma loja na rua Garrett, a ourivesaria Aliança, é das coisas mais penosas para mim ver essas lojas fecharem. Tenho mais pena de ver as lojas fechadas do que de pensar que esta pode fechar, porque na verdade ainda não penso que isso poderá acontecer", assume Margarida. Para ela, são estas lojas feitas de história e tradição que marcam a diferença entre Lisboa e outras cidades Europeias.
Não sente mágoa quando as pessoas passam e nem sequer olham para a loja. Para Margarida, a falta de tempo das pessoas cruza-se com a dimensão histórica do espaço: “as pessoas podiam valorizar mais esta loja porque tem tradição, faz parte do património da cidade. Se as pessoas não olharem para ela de outra maneira não sei se continuará...”.

Fotogaleria
Facebook

Patrícia Pinho da Silva e Telmo Botelho


Nenhum comentário:

Postar um comentário